quarta-feira, dezembro 24

CONSOADA Cumprida a principal tradição, a fritura das filhós, vamos passar ao bacalhau e ao vinho da casa - é verdade, este ano a vinha deu 60 litros! Para todos aqueles que estão fora, mas também para os outros que não estão e ainda os que gostariam ou tencionam ir, dois conselhos: não se habituem a um teclado estrangeiro poraue vão demorar uma hora a corrigir duas linhas (deixei um erro para ilustrar); tenham paciência e apetite, porque o Natal é só um dia.

sábado, dezembro 20

NOTAS. Duas rapidinhas para intervalar a lavoura forçada de sábado:
1º) De obrigado. Às duas senhoras que se prontificaram a ajudar-me na difícil tarefa de roubar e colar imagens. Não tenho o prazer de as conhecer, mas seguirei as vossas sugestões (e o vosso rasto) a partir de já.
2º) De rectificação. Ao post sobre os votos para disco do ano. Já ouvi e re-ouvi o Damien Rice e acho a coisa soberba. Melhor ainda, o homem vem a Londres lá para Fevereiro. Ou seja, se mais não houver, tenho já um bom motivo para sorrir quando pegar no bilhete de regresso.
FRUSTRASTION. Consumado o regresso «à terra» do estrangeirado parisiense (apenas para cumprir a logística natalícia, como é evidente) devo confessar que tencionava gozar estes tempos sozinho em casa para escarrapachar as fotografias todas que me apetecesse. Acontece que não sei pôr imagens. O emigrante do lado de lá nunca me ensinou. Agora percebo porquê. Antecipou a suspresa de Natal que lhe tinha reservado. É triste. Vinte e tal anos depois ainda não aprendi que as chaves de casa nunca dão acesso à dispensa.

sexta-feira, dezembro 19

NÓS E A UE. A BBC noticia o «facto positivo do dia»: a União Europeia aprovou o aumento da quota de pescas do Reino Unido em 15 por cento.
A nossa comunicação social noticia o facto positivo do dia: a União Europeia aprovou a redução da quota de pescas de Portugal em 15 por cento. Mas, na verdade, queria reduzir 49 por cento. Percebem? Parece que não, mas é muita fixe para a malta!
Os gajos papam-nos com uma pinta....
INIMIGO PÙBLICO. Para nós, estrangeirados, qualquer produto nacional que não tenha versão online pura e simplesmente não existe. É verdade que o mundo civilizado tem razões de sobra para não nos torturarmos muito com isso, mas às vezes chateia. Tenho pena, por exemplo, de ainda não ter conseguido pôr a vista em cima do Inimigo Público. Há dias, como hoje, que me mandam duas ou três piadas do dito suplemento via mail, o que ainda me dá mais comichão. Pior ainda, fui integrado na mailing list da Produções Fictícias (não sei bem a que propósito, mas agradeço) o que me valeu, à bocadinho, uma simpática mensagem de Boas Festas com a capa do Inimigo estampada. Claro está que cliquei furiosamente na imagem para ver se abria qualquer coisa... mas nada. E pronto, fiquei irritado. Não gosto que me lembrem a distância.
ABORTO II. Volto ao assunto só para fazer um esclarecimento ao André, que está em total desacordo com o meu post anterior sobre o tema. Primeiro, em relação à despenalização da IVG merecer ou não o apoio da maior parte dos portugueses: é um facto que o referendo nos respondeu que não. E sem estudos de opinião recentes sobre o assunto, é impossível aferir objectivamente qual seria a resposta neste momento. Por isso, especulemos: eu entendo que o facto de ter havido uma diferença entre o resultado oficial e aquilo as sondagens vinham anunciando explica-se com a abstenção. Se a memória não me atraiçoa (posso confirmar mais tarde) votaram 31 por cento dos eleitores e houve mais ou menos cinquenta mil votos de diferença. Ou seja, a abstenção teve, necessariamente, um papel importante a distorcer o resultado. É claro que se pode sempre alegar que podia ter penalizado os dois lados, mas também disso discordo. Primeiro porque os eleitores «sim» estavam confiantes na vitória; segundo porque os eleitores «não» estavam mais mobilizados e melhor convencidos da importância e da utilidade do seu voto.
E aqui chegamos à segunda crítica: as posições assumidas à esquerda e à direita. Desonestidade, desinformação e demagogia atribuis tu à direita. Concordo plenamente. Como dizia outro dia julgo que a Helena Matos, quando se mostram bonecos tipo Barriguitas para falar de fetos está tudo dito sobre a seriedade da discussão. Mas a verdade é que foram eles que ganharam a batalha. E agora, quer queiramos quer não, o ónus está do lado da esquerda.
Propor iniciativas com a chancela do Bloco de Esquerda ou da Juventude Socialista pode mostrar muita convicção e coerência por parte dos próprios mas não demonstra qualquer tipo de responsabilidade. Porque responsabilidade, em política, também é realismo. E não é realista assumir que as vozes de direita que desencadearam isto se iam pôr atrás das bandeiras do BE ou da JS. Incoerência deles? Talvez. Mas quem põe a causa à frente dos interesses partidários pensaria numa forma melhor de juntar essas vozes à sua luta. Não lhes atirava à cara a exigência de afrontarem o seu próprio partido.
O que conseguiram com isto, volto a dizer, foi acordar os «cães de guarda», remeter ao silêncio quem melhor lhes poderia ter servido e adiar novamente a questão.

quinta-feira, dezembro 18

CULTURAL EXCHANGE. Amiga libanesa, acabadinha de conhecer, desafia-me numa conversa política. Cursos para cá, activismo para lá, mas eu teimava em não desenbrulhar o que ela queria ouvir. Foi directa ao assunto:
- You're a leftist, right?
- Right!
Orgulho-me desta ambiguidade.
REGRAS PARA COMPRAR PRENDAS DE NATAL
1) Não vale a pena preocupar-se com isso no resto do ano. É mais divertido fazê-lo nos últimos dias. Evitar, no entanto, um centro comercial no dia 24 ao fim da tarde.
2) Esqueça os preços. Agarre o que estiver à mão porque já não vai ter tempo para voltar atrás.
3) Não pense no que as pessoas iriam gostar, mas no que elas não iriam gostar. Facilita a escolha.
4) Comece pelas pessoas de quem gosta mais. Ao fim de pouco tempo terá gasto tanto dinheiro que a preocupação vai ser "A quem é que eu posso não oferecer prenda e o que é que posso comprar barato para os restantes".
5) Se residir no estrangeiro, compre coisas com palavras na lingua indígena. Dá um toque exótico.
6) Vá cedo (sim, de manhã).
7) Privilegie o comércio tradicional. Este é um conselho da associação dos lojistas que fecham às seis da tarde, têm duas horas e meia para almoço e não abrem aos fins-de-semana.
8) Comece uma nova colecção e guarde todos os recibos. Pode entreter-se a organizá-los por tamanhos, por datas ou por valor. Vai ver que o exercício é pedagógico.

quarta-feira, dezembro 17

ABORTO. O Daniel elogia o texto sobre o aborto que o deputado Gonçalo Capitão, do PSD, publicou n’A Capital. E elogia bem. É um exemplo notável de como se podem afastar preferências partidárias para discutir opções pessoais tão sensíveis. Diz que é um texto «lúcido e honesto», apesar de ter alguns «ataques gratuitos à esquerda». E aqui engana-se. Os ataques que GC fez à esquerda têm toda a razão de ser. A esquerda não consegue ser inteligente quando fala de aborto. Pura e simplesmente, não consegue. Prefere o histerismo. E com isso só prejudica a causa que diz querer defender, como é óbvio.
As recentes declarações de membros do PSD e do CDS, surpreendentemente flexíveis, vêm provar esta triste realidade. «A maioria de direita deu sinais de abertura? Estão lixados! Vamos já fazer uma conferência de imprensa a pedir para os gajos serem coerentes e amanhã já se estão todos a desdizer... Lindo!»
Meu dito, meu feito. Vejo na televisão o Miguel Portas a falar para três jornalistas numa sala vazia e penso: pronto, é o suficiente. Já lixaram esta merda outra vez! Mas porque é que não se calam? Não perceberam ainda que é bastante mais produtivo do que andar a acirrar constantemente o outro lado? Apresentar propostas que à partida toda a gente já sabe que vão ser recusadas ajuda alguma coisa? «Apanhar» os gajos a desdizer-se tem mais importância do que contar com a ajuda de um soldado no outro lado da trincheira? Não é óbvio que a partir do momento que pedem «coerência» à maioria, eles são obrigados a responder «coerentemente contra» o Bloco?
A vocês, esquerdistas empenhados que dizem não conseguir conter a «paixão e a irritação» quando falam no assunto, algumas palavras apaixonadas e irritadas: é vossa a culpa de tudo ficar na mesma.
Não acreditam? Já pensaram porque é que andam a lutar tão arduamente por uma coisa que a maior parte dos portugueses quer? Porque vocês falharam. E continuam a falhar.
A MENTE MAIS FORTE QUE O DESPERTADOR
- Merda, os anti-corpos ainda não chegaram! Hoje tenho de ligar aos gajos e reclamar com eles. Se calhar ainda arranjo um advogado americano para os processar!
- Sim, bom dia para ti também, querida....
COMPRAS DE NATAL II. Só para rematar: parece que os nossos conterrâneos mais rodados «na Inglaterra» também vão ao Harrods à procura «daquela» panache especial e de poder relatar a viagem-capricho aos amigos com alguma referência mais familiar. Compreende-se a intenção, mas sinceramente... o Harrods no Natal? Com quinhentos mil marmanjos em filas indianas a babarem as vitrines como se estivessem a ver as relíquias de Santo António? Caros compatriotas: deixemos a dignidade do Harrods intacta para outras alturas (até porque os preços são altos e não é bonito brincar aos europeus). No circuito mainstream a única coisa que é impensável perder é o Hamleys, a melhor loja de brinquedos do mundo (dizem eles e digo eu). As crianças que se lixem, a malta é que se diverte. De resto, se tiverem a sorte de vir curtir o frio londrino e quiserem levar saquinhos cheios, corram para os mercados (todos), para o Soho, para as lojas dos museus, para todas as pequenas lojas de cinema, design, cozinha, posters ou o diabo a quatro. É fácil encontrar isto tudo. Basta ler os jornais, comprar a Time Out e não pedir conselhos à recepção do hotel.
COMPRAS DE NATAL. Passeio pelas ruas comerciais da city e ouço falar mais português do que é normal. Ou seja, o tuga imune à crise resolveu vir fazer as comprinhas de Natal ao país civilizado. O que me parece uma escolha elegante, naturalmente. Só não percebo é porque é que se dão ao trabalho de gastar tanto dinheiro na viagem para depois se enfiarem na Habitat e na Zara (palavra de honra que é verdade, eu vi!). Serão os sacos? Os empregados? Os preços não são certamente. E a estupidez não bate assim.

terça-feira, dezembro 16

MEDIA. O Pedro já o tinha dito e eu assino por baixo. Os textos do Guerra e Pas sobre jornalismo são uma escola e deviam ser publicados com urgência. É claro que a maior parte dos membros da classe atira-se ao ar com esta ideia, porque não gostou de se ver retratado numa das muitas críticas do PBM. Eu próprio, devo dizer, acho que a paróquia que conheço melhor saiu bastante desfigurada num dos textos. Mas isso é o que menos interessa. A «escola» do Guerra e Pas está no registo criativo na análise dos media, coisa absolutamente inédita entre nós. A recente classificação de colunistas é um dos melhores exemplos (com a devida vénia ao autor, confesso que até já passei o colunista-camarada e o colunista-insistente para papel). Tudo meio a brincar, mas muito a sério. O importante, por isso, nem é encadernar o blogue. É encadernar as ideias e a escrita do Pedro. Se não for por nós, os admiradores, ao menos pelos desgraçados dos estudantes de comunicação, que continuam a definhar com as teorias apocalípticas da escola francófono-dependente. É preciso dizer-lhes que o mundo real existe.

domingo, dezembro 14

SADDAM II.Tento, mas não consigo responder. Quem será mais ridículo? Canhotos mentais que relativizam momentos históricos como este (pondo-se a falar de marketing político ou dos trejeitos americanos como se fossem atentados aos direitos humanos); ou destros fundamentalistas para quem a guerra ficou um «bocadinho» mais legitimada e que estão mais excitados (é o termo) com a derrota da esquerda do que com a prisão do carrasco? Ponham os olhos neste texto.
EXAME PERICIAL aconselhado pelo juíz Rui Teixeira.


Mike Lane no The Baltimore Sun (EUA)

SADDAM. Um pequeno passo para o Iraque, um enorme passo para a Humanidade. Sem «mas».

sexta-feira, dezembro 12

JPP. Deixei de ler as crónicas de José Pacheco Pereira quando li, há dois anos, o ataque mais escabroso que se pode fazer a um jornalista. Fiz por esquecer os termos exactos que o eurodeputado utilizou nesse texto, porque achei - como ainda acho - que não vale a pena discutir insinuações, muito menos quando as mesmas partem de pressupostos errados. E acontece que eu sabia que os pressupostos estavam errados, pelo simples facto de ter presenciado os acontecimentos que o político resolveu fantasiar. Para agravar tudo isto, o tema em causa era a «antiglobalização», mais particularmente a célebre manifestação contra o G8 em Génova. Ou seja, um dos assuntos que é praticamente impossível discutir na nossa praça - antes de poder provar a seriedade jornalística da pessoa que JPP quase rotulou de activista (esclareço que não era eu) já tinha o desdém dos fanáticos de direita e a total solidariedade dos fanáticos de esquerda. Desisti, portanto. De discutir e de ler Pacheco Pereira. Porque nesse momento percebi que tudo aquilo que tinha lido e respeitado (no colunista) podia estar assente nesse mesmo nada. Ou em paixões políticas que, não sendo idiotas, não deviam servir para enxovalhar quem as não tem.
A última crónica de JPP no Público é um regresso feliz ao registo que eu gosto. Carrego no eu porque sei que esta opinião decorre exclusivamente desta experiência pessoal. Mas se isso interessar a alguém, é este JPP que admiro: com visão, background e (boa) cultura política.
MÚSICA. Devem estar aí a rebentar as listas e as votações para os discos do ano. Como estou arredado do circuito eleitoral, aproveito o espaço desta freguesia para mandar alguns bitaites pessoais. Nos internacionais, Moloko e Goldfrapp. Indiscutivelmente, digo eu, estão em grande. Muse foi assim-assim; Blur não foi mau de todo. Também achei piada a Damien Rice, mas ainda não ouvi tudo. Nos Nacionais: fado, fado, fado. Escolham o que quiserem. Eu ainda não tenho cultura para tanto, mas já estou a fazer por isso. Espero é que não seja da idade...
PS: Por falar em Miss Goldfrapp - há dias a senhora elegeu Lisboa entre as três cidades onde mais gostava de cantar, juntamente com Barcelona e Berlim. O que é bonito, convenhamos. Sobretudo porque foi publicado num jornal inglês e Londres aparecia no último lugar das preferências. O que até a mim me pareceu injusto, já que o sítio que a menina Alison normalmente escolhe quando vem aqui à capital é a Union Chapel. Uma pequena igreja do século XIX, em Islington, onde se pode ouvir música a sério com um copo de vinho tinto pousado no missal. Divino!
CIMEIRA Parece que a reunião está com um certo atraso.


Ricardo no El Mundo

DEUS Berlusconi espera um milagre para aprovar a Constituição, mas não fez distinções religiosas.


Plantu no Le Monde

TERREIRO Revela hoje O Independente que alguns ministérios vão deslocar-se do Terreiro do Paço para a antiga Feira Popular, em Lisboa. Caso se confirme, esta é uma oportunidade perdida para recuperar algumas áreas da capital. Os ministérios, se forem construídos de raíz, podem incorporar serviços adminstrativos hoje distribuídos por vãos de escada e armazéns. Mas são também pólos de renovação urbana e dinamismo económico. Paris tem um caso que merece ser ponderado: o ministério das Finanças, em Bercy, aliado à contrução da Biblioteca Nacional, do outro lado do rio, lideraram uma recuperação destas áreas que, sem ser consensual, tinha um objectivo sério: o reequilíbrio da cidade e a restauração de uma zona industrial em decadência. Além disso, deve-se dessacralizar a ideia que temos dos ministérios e torná-los mais práticos, como o ministério da Ciência francês, que nas suas instalações vetustas inclui uma piscina e salas de ginástica acessíveis aos cidadãos. Lisboa tem inúmeras zonas que precisam de equipamentos para estimular a sua recuperação. E nem é preciso ir longe para ilustrar esta estratégia: o Parque das Nações, um dos cartões de visita de Portugal, teve, embora noutro contexto, o mesmo efeito. Prevendo que do projecto ao terreno vão decorrer longos anos, espero que se reflicta bem nesta decisão e nos benefícios que pode trazer no futuro. E que não se resuma a um exercício de ostentação política ou pessoal.

quinta-feira, dezembro 11

MARKETING POLÍTICO A polémica com a Fundação Minerva trouxe aos olhos deste estrangeirado, privados das televisões portuguesas há largas semanas, o novo look do ministro Morais Sarmento. Se nos lembrarmos que Marcelo Rebelo de Sousa e o António Guterres raparam a pilosidade facial em fases cruciais do seu percurso político, esta era a prova que faltava: não são os lugares de topo que Sarmento almeja. Ou então a moda virou.
NINGUÉM EXPLICA Dizia JPP, num post de 10/12 intitulado “O Governo tem que explicar melhor as suas políticas" que este é um "falso problema. O governo tem é que governar melhor, não 'explicar melhor'. As boas políticas explicam-se a si próprias e as políticas impopulares têm sucesso quando os seus autores têm credibilidade. As pessoas torcem o nariz, protestam, mas, ou acreditam nos governantes ou não. Não há marketing que, a prazo, transforme uma má política numa boa, nem 'explicação' que substitua a confiança."
A sua lógica é correcta: um país bem governado não questiona os decisores. Mas ela não isenta o governo de se esforçar em explicar aos cidadãos porque toma esta opção e quais eram as alternativas. As políticas são normalmente um produto do equilíbrio entre os princípios ideológicos dos governantes e os contrangimentos que estes encontram na sua actividade. E o governo tem a obrigação de esclarecer porque tomou esta direcção, por que é que entende que ela é melhor para o país. Infelizmente, a maior parte das dúvidas e protestos resultam da ignorância - e exactamente aqui o governo tem um papel de explicador. Tem de usar a pedagogia que não aplica precisamente nos textos dos decretos publicados no Diário da República. Finalmente, também discordo da última frase; o marketing é capaz de tudo, principalmente em política.
Por sua vez, o jmf diz que "o problema é que, muitas vezes, se as medidas fossem bem explicadas o povo ainda ficava mais zangado com o governo." Talvez. Eu arrisco.
LES BITALES Falando de rádio: para além de desconhecer a maioria das músicas que rodam nas ondas hertzianas francesas - por opção, a minha cultura de música comercial foi sempre limitada -, o desafio aumenta quando o locutor tenta apresentar o grupo ou artista anglo-saxónico com o sotaque especial que caracteriza este povo.
SONS. Como podem ver, acrescentei uma chamada para estações de rádio nos links aí do lado. A lista é pequena, para já, porque é difícil separar o trigo do joio no meio de tanta playlist e estação banha da cobra. Começo pois com a inevitável TSF (ligação directa à emissão); a XFM britânica (que inspirou a nossa velhinha Xis e continua sensacional); a BBC4 (para os senhores da rádio ouvirem e copiarem o que puderem); e a WBGO, com fantástico jazz americano (que é, afinal, a razão que me levou a fazer isto. Obrigado André). Quaisquer sugestões são bem vindas, mas entendamo-nos: a gerência reserva-se ao direito de admissão.
FERNANDO PESSOA dá o primeiro toque de poesia deste blog:

"Vale a pena ser discreto?
Não sei bem se vale a pena
O melhor é estar quieto
E ter a cara serena."

O TAMANHO CONTA Se aprofundarmos todos os escândalos em Portugal, será que existe algum em que não estejam envolvidos familiares de membros do Governo?

quarta-feira, dezembro 10

RODINHA DANÇANTE. É uma das facetas mais originais do homolusos e, injustamente, uma das que menos atenção tem merecido por parte dos nossos antropólogos: a «rodinha dançante». Como sabem os mais versados nos temas noctívagos, a rodinha (como é vulgarmente conhecida) é um consagrado ritual espontâneo que esta espécie põe em prática sempre que se aproxima de uma pista de dança. Apenas três elementos são necessários para dar início ao fenómeno, mas é de admitir que o grupo aumente até às duas dezenas, consoante o grau de amizade ou parentesco entre os presentes. No que diz respeito ao comportamento, há um conjunto de normas tacitamente aceite entre os jovens homolusos, que obriga cada um deles a assumir uma postura vigilante em relação aos seus pares. Assim, uma ida mais prolongada ao bar, uma conversa com algum outsider, ou mesmo um olhar que ultrapasse o diâmetro estabelecido, será sempre alvo de um comentário correctivo.
A experiência de estrangeirado permite-me agora acrescentar que o ritual está de tal forma impregnado nas gerações mais novas que as próprias comunidades homolusas espalhadas pelo mundo mantêm-se firmemente ligadas à tradição. O que demonstra um grande arrojo, obviamente, já que ninguém mais se poderia lembrar de tal coisa.
INTERNET 169 países estão representados na Cimeira Mundial da Sociedade de Informação em Genebra. Na agenda está a redução da diferença no acesso à Internet entre países do Norte e do Sul - ou seja, ricos e pobres. O Libération faz a sua antevisão: L'Internet mondial se réunit pour accoucher d'une souris.
ECONOMIA vai recuperar graças ao Natal. Os finais de tarde nas Fnacs são um pesadelo. Nas prateleiras multimédia, colectâneas e packs de CD e DVD convidam ao consumo. Na secção dos livros, as pessoas pegam quase sem olhar. No andar dos aparelhos electrónicos, os leitores de DVD estão empilhados em caixas, que as pessoas agarram como se fossem pacotes de rebuçados. Eu consegui escapar-me com um tinteiro para a impressora, mais barato 10€ que na loja aqui do bairro.
NATAL II Nesta altura, as composições na escola primária eram hinos à  paz, à  felicidade e à  abundância alimentar no mundo.


Desenho de Schrank

NATAL A semana e meia do regresso a Lisboa, a ansiedade pelo encontro com a família e amigos cresce. Vão ser quinze dias com sabores e cheiros conhecidos e a lembrança de velhos hábitos. Infelizmente, nem tudo é como era. Felizmente.
FRIO continua. Não chove, o céu está limpo mas não se consegue ver o sol. Sabemos que está lá porque é de dia. Sopra uma brisa seca e gelada que convida pouco ao passeio. Mesmo assim, hoje vou arriscar.

terça-feira, dezembro 9

FRIO Faz um frio de rachar em Paris.

segunda-feira, dezembro 8

NATAIS ORIGINAIS. Enjoam-me profundamente as campanhas de solidariedade que a nossa comunicação social inventa nesta altura do ano para dar um ar da sua graça social. Desde aquelas festas fossilizadas para desgraçadinhos de prisões e hospitais, até aos miserabilistas peditórios «Ajude porque é natal e portanto pronto, é bom», é tudo muito pobre. Por isso, qual parolo (outra vez), fiquei deslumbrado com a campanha de Natal do Independent: um leilão com a prata da casa. Ou seja, para juntar umas massas, o jornal vende aos leitores um conjunto de lotes, cujo único valor é poder conhecer, trabalhar ou acompanhar alguns dos funcionários e colaboradores da empresa. Exemplos: Viajar por todo o país com o famoso globetrotter de viagens, Simon Calder; convidar os amigos para um jantar em casa que o especialista em gastronomia irá fazer in loco; acompanhar o especialista de vinhos a uma prova de degustação; ter um cartoon pessoal feito pelo cartoonista Dave Brown; acompanhar um dos críticos de música a um concerto, com passagem pelos bastidores etc, etc, etc. Há mais de 30 lotes e todos eles rendem umas boas centenas de contos que vão direitinhos para uma instituição de caridade. Haverá sempre «contingências» e um «contexto próprio» que tornam estas coisas impraticáveis no nosso páis. Mas que são giras são. E têm uma grande vantagem: dão dinheiro.

sábado, dezembro 6

GENTE AMIGA trouxe um queijo amanteigado a dois emigrantes em Paris para ajudar a matar saudades da pátria. Barrado abundantemente em pedaços cortados à mão de baguette paysanne da padaria Gautier Didier da rue Monge, temos um casamento perfeito entre Portugal e França.
VÉU ISLÂMICO O presidente Chirac rejeitou ontem a ideia de discriminação positiva a favor dos imigrantes avançada pelo ministro do Interior, Nicolas Sarkozy, que levou assim um bigode do seu superior. A discussão faz-se a propósito da comunidade magrebina e do uso do véu islâmico na escola. Chirac ainda não se pronunciou sobre o desejo da direita e dos socialistas de criar uma lei que regule os sinais religiosos nos estabelecimentos de ensino e proteja a laicidade da Educação e da República. Pessoalmente, sou contra esta forma de discriminação das mulheres muçulmanas - que devem poder, se o desejarem, usar o véu, mas sem que isso as ilibe de frequentar as aulas de ginástica e os estudos como os restantes alunos. Não tem necessariamente de ser uma afirmação política, como afirmam alguns políticos. Nesse caso, que se diria se as jovens portuguesas resolvessem deixar crescer os pêlos para reivindicar os direitos dos tugas, que são a maior comunidade estrangeira em França? Incluiam o direito à depilação na Constituição? Portuguesas, insurjam-se! Em nome de todos os portugueses, queimem as gillettes e deitem fora as cêras! E assumam o buço lusitano!
EXECUTIVE LIFE Os contribuintes franceses arriscam-se a pagar três mil milhões de dólares porque um empresário francês, intermediário na compra ilegal de uma seguradora norte-americana por um banco gaulês, é amigo do presidente da República. Doi, não doi?
POSTAL DEFICIENTE Um leitor - e bastou um - chamou a atenção para a incorrecção do postal sobre os deficientes. Dou-lhe obviamente razão: a paralisia cerebral provoca problemas motores que torna estas pessoas beneficiárias da eliminação das barreiras arquitectónicas nos edifícios e espaço urbano. E que não deve ser confundida com a deficiência mental. O comentário foi discriminatório. Uma graçola própria de conversa de café. Infelizmente, este bloguista nem sempre é reflectido nem politicamente correcto.

quinta-feira, dezembro 4

OBITUÁRIOS. Ocupam duas, três páginas dos jornais ingleses. Todos os dias. Textos compridos, invulgarmente compridos, prestam homenagem a vidas que nos parecem sempre notáveis. Às vezes são assinados, outras vezes não, mas são sempre bem escritos. Impecavelmente escritos. Talvez seja isso, talvez seja uma estranha vontade de me associar ao respeito por alguém (que na maior parte dos casos nunca ouvi falar), talvez seja a curiosidade de saber quem é o homem ou a mulher a que um jornal oferece tanto espaço sem cometer a ousadia de pedir um anúncio em troca. Sinceramente, não sei. Sei que é frequente dar por mim a meio de uma destas prosas. Estou inclinado a pensar o melhor de mim, como é óbvio: que leio por achar que se deve dar tempo às últimas homenagens. Imagino também que isto explique a vontade dos outros leitores em fazer o mesmo. E a coragem dos jornais em abdicar de tanto espaço publicitável. Os nossos não o fazem e é pena. Sobretudo porque é um gesto bonito. De honra.
DEFICIENTES Santana Lopes afirmou ontem a prioridade da autarquia que preside em eliminar as barreiras arquitectónicas nos edifícios lisboetas que prejudicam o movimento dos deficientes motores. Bravo. Deixemos de lado o facto de estarmos a três semanas do final do ano Europeu das Pessoas com Deficiência. O que me intriga é que foi feito um acordo com a Associação de Paralisia Cerebral. Com todo o respeito: neste caso, estamos a falar de que barreiras?
POSTIGA. Finalmente, o puto marcou um golo. O que não sendo muito para ele, para mim ajuda bastante. O dicionário futebolístico desta gente, no capítulo português, começava em F, de Figo, e acabava em R, de Ronaldo. Com a agravante deste último ser conhecido por «white boots man», o que... enfim! Cada um tira as conclusões que quiser. O que interessa é que agora vão ao P, de Postiga. E de Porto, se não se importam. Porque a malta do Norte é assim: não esconde o orgulho dos seus.
CANAL SOS Vi dois minutos do canal SMS, que substitiu a Sic Notícias na internet. Se calhar não fiquei tempo suficiente para formar uma opinião sustentada e justa, mas aquilo é mesmo uma m****, não é? Admira-me que demore um ano para compensar o investimento, como disseram os responsáveis da PT. Ou melhor, fico espantado se aquilo durar um ano.

quarta-feira, dezembro 3

PASOLINI Ontem fui ver Comizi d'amore, um documentário de 1965 do Pier Paolo Pasolini. É fácil resumir: de norte a sul, de microfone em punho, foi perguntando a miúdos e graúdos, homens e mulheres, operários e intelectuais, o que pensam da sexualidade, do casamento, do divórcio. As respostas são cómicas, próprias de uma sociedade fechada e religiosa. Episódios: um miúdo garante que é a cegonha que traz os bébés e é Deus que os põe no cesto ao lado da mãe - porque a cegonha não tem mãos. Um agricultor que acha que a mulher deve ter menos direitos que o homem "não é preciso muito, só um bocadinho, não muito, só um bocadinho". A jovem que se atira ao realizador e depois diz que é tímida. O adolescente sardento que diz resolutamente que a família é a base da sociedade e que o sexo não lhe interessa, que é secundário. E um Pasolini provocador com questões sobre os "invertidos sexuais", sendo ele próprio homossexual. No final, temos um breve retrato da Itália dos anos 60, onde também intervêm Alberto Moravia e Oriana Fallaci. Irreconhecível hoje, annus Berlusconnis, em que a televisão explica tudo, tintin por tintin. Faltou uma questão: o aborto.
SACAVÉM Por falar na terra, ontem encontrei uma conterrânea no Ministério da Saúde francês. De onde é que é? De Lisboa. Ah, eu também; sou de Sacavém. Eu também! O mundo não é uma aldeia, é uma migalha.
CORTE DE CABELO Não páro de olhar para o espelho. Hoje fui à tosquia e confirmou-se a habilidade do meu barbeiro. É certo que não existe a mesma empatia que partilhava com o velho Cruz, do jardim de Sacavém. Não troco palavra com o senhor e no final pago 15 euros, o triplo do que pagava em Portugal. Mas aqui é mais difícil sair da cadeira com pente zero, como aconteceu certa vez. Outra diferença: por cima do chapeleiro não estão Ginas nem Tânias mas uma mini-colecção de BD.
MITOS. Leio um anúncio imobiliário de «fantásticos apartamentos perto de Londres a preços excepcionais». Nem sequer no centro da cidade, portanto. As fotografias parecem-me razoáveis, mas não mais que isso. Detenho-me alguns segundos a olhar para o preço. «A partir de 200.000 libras», ou seja, qualquer coisa como 90 mil contos. Por um belo T1 nos arredores! Depois disto é inevitável pensar na alarvidade apregoada por muita gente que vive nos melhores bairros da nossa terra: «É o metro quadrado mais caro da Europa». É, então não é... Quadradas são as ideias.
ABORTO. É difícil livrarmo-nos de raciocínios apriorísticos quando falamos de temas tão delicados. Consoante o lado político, social ou religioso, já escolhemos um lado da barricada e somos obrigados a defendê-lo com duas pedras na mão. Afinal, é a nossa própria concepção de vida que está em causa. Por isso respeito quem consegue ultrapassar o cinismo (o expediente comum de todos os ignorantes) e tem a coragem de fazer assentar a poeira para que se vejam todos os argumentos. Foi isso que o Barnabé e o Comprometido Espectador fizeram nestes últimos dias. Começaram por onde todos começam, mas acabaram numa das mais interessantes discussões sobre o Aborto. E assim convenceram-me que os blogues valem a pena.
BOMBEIRO MORTO, BOMBEIRO POSTO. Pelo menos uma dúzia dos bombeiros nova-iorquinos que sobreviveram às chamas e às derrocadas do 11 de Setembro resolveram deixar as respectivas mulheres. Motivo: foram dar consolo às viúvas dos que tiveram menos sorte. Notável! Não há como ler os bons tablóides para saber as boas histórias.
NAVALÊS. Imagino como o vocabulário mundano tem melhorado substancialmente graças às muitas misérias que nos preenchem os dias. Primeiro foi o léxico jurídico com os «habeas corpus», as «memórias futuras» e afins expedientes penais. Agora entramos num terreno ainda mais desconhecido: a linguagem naval. Mais um petroleiro na costa e os jornais já se dão ao luxo de falar no «alerta provocado por novo monocasco». Monocasco que, como toda a gente sabe, é... aquele tipo de... casco.... mono... Enfim, toda a gente sabe!

terça-feira, dezembro 2

MEA CULPA Afinal, Portugal celebrou há semanas com pompa no Panteão o lançamento do quinto volume da saga do Harry Potter. Um lapso de memória deu-me para armar em estrangeirado. Se alguém leu, esqueça.
INTERVALO no anti-americanismo: ultrapassando um pouco as fronteiras francesas, sobrevoando Portugal e o Atlântico até Nova Iorque, registo tardiamente a inauguração, no domingo, da praça Joey Ramone, na esquina da 2nd Street com a Bowery, em Manhattan. Para aqueles que desconhecem os Ramones, só o posso lamentar.

CONFESSO que nunca li um livro do Harry Potter. Vi o primeiro filme e achei aborrecido. Mas quando tiver filhos não me importo de incentivar esta febre de ir comprar o novo e mais recente capítulo às tantas da noite. Hoje, aqui em Paris, várias livrarias vão estar abertas, vão recriar nos espaços em frente cenários das histórias e vão ter animações durante a noite. É nestas alturas que eu aprecio uma grande capital. Aqui tudo é em grande porque o número de pessoas assim o justifica. Será que se vai passar alguma coisa lá em baixo?
TÍTULOS do Libération são uma inspiração: Le neveu de Disney fait un départ animé. Ou ainda Hugo Chavez s'accroche à son siège éjectable. Anglófilos, beat this!

segunda-feira, dezembro 1

DIA MUNDIAL DA LUTA CONTRA A SIDA demasiado asséptico. Fotografias de crianças a sorrir, debates de especialistas, responsáveis de instituições e ONG e ministros, acrobacias de aritmética entre milhões de doentes e milhões de dólares. Nem um testemunho de um doente, de avó de criança seropositiva ou de um recém-contagiado. Vinte e tal anos depois, acho que ficaram pelo assessório e se esqueceram do essencial: o sofrimento das pessoas e as vidas vividas a conta-gotas.

Gado no Daily Nation (Quénia).

SPECTATOR. Para todos os anti-americanos que juram a pés juntos o seu amor aos Estados Unidos. O teste está aqui. Garanto que é tempo bem gasto.
EU AVISEI.... que a Big Conversa inventada pelos trabalhistas tresandava a manipulação. O que não esperava, confesso, é que o Telegraph desmontasse a coisa tão rapidamente. Dois dias depois de a campanha arrancar, já tinham enviado um punhado de mails com ataques violentos às principais políticas do governo inglês. A resposta, claro, foi nenhuma. Os ditos mails foram olimpicamente ignorados pelos gestores do site que nem se dignaram a explicar porquê. E o pior nem é isto. O Telegraph conseguiu falar com algumas das primeiras pessoas que participaram no inquérito. Resultado: «tiraram a parte em que eu acusava o ministro...»; «não vejo as minhas palavras sobre a guerra do Iraque...»; «omitiram todas as opiniões sobre política externa...». Enfim... a democracia participativa no seu melhor.
PORTUGAL B. Henry Porter, crítico do Telegraph, nas sugestões literárias do ano: «A week ago a friend in New York gave me Antonio Damasio's Looking at Spinoza. It is certainly the toughest book I have read all year but also the most exciting. Damasio, a noted American neuroscientist,.......».

sábado, novembro 29

BLOGALIZAÇÃO. Vamos fazer um teste. Se eu puser a morada do blog aqui, algum dos nossos simpáticos visitantes acabará por visitar o autor do mesmo. Este, por sua vez, depois de consultar o site meter ou quejando instrumento de vaidade, retribuirá o favor e voltará cá a casa. Chegado aqui, depara-se com a pergunta que se impõe: Onde é que arranjaste os textos do Seinfeld, pá?
HORÁRIOS. Tenho hoje uma consideração especial pela malta das rádios. Que os tipos faziam turnos já sabia mas, na verdade, nunca tinha pensado bem no assunto. Ter de trabalhar de madrugada, acordar para debitar prosa para a antena às cinco, seis, sete da manhã, deixar os lençóis quentes e agarrar o batente... isto é tarefa de gente corajosa meu povo! Não deixa de ser estranho pensar: que mais se pode fazer àquela hora? Talvez blogar... (estamos esclarecidos, JMF?).
JACQUES CHIRAC faz hoje 71 anos. O número está cada vez mais próximo dos mais de 80 por cento com que foi eleito no ano passado à custa da esquerda, que teve de usar luvas e tapar o nariz para humilhar Jean-Marie Le Pen. Curioso que tenham sido dois "dinossauros" a disputar a segunda volta. Mas tudo isto faz sentido porque durante a campanha, o jovem Lionel Jospin, que não vinha com um balanço de governação brilhante, decidiu atacar o seu velho rival por este prisma, dizendo que lhe faltava energia e estava "envelhecido, usado". Gaffe total, com consequências imediatas nas sondagens e mais tarde nas urnas: os reformados nunca lhe perdoaram. Esta semana, a idade de Chirac volta à baila, não só pelo seu aniversário mas também porque uma fotografia do Paris-Match confirmou que o presidente francês usou um aparelho auditivo, e que, portanto, tem problemas de audição. A aparentemente pequena "deficiência" não tem a mesma dimensão que a doença fatal de Miterrand. E não implica que as suas capacidades estejam afectadas. É apenas uma prova do curso natural da vida. E em França, que se saiba, ainda não se inventou a poção da eterna juventude.

PS: Este senhor não tem o mesmo significado de Mário Soares (MS) em termos de combate político, mas regista-se o longo percurso que culminou no topo da hierarquia institucional francesa. Mas eis que, a três anos das eleições presidenciais, alguns chiraquistas insistem na ideia de um novo mandato, o terceiro, que é permitido em França, ao contrário do que sucedeu há alguns anos em Portugal a propósito de MS. Mas é também do seu partido que também saem os críticos: o ministro Nicolas Sarkozy, o mais popular do governo e o que tem mais hipóteses de lhe tirar a cadeira.

BIG CONVERSA. Tony Blair lançou ontem a «maior consulta pública alguma vez feita no Reino Unido». É pelo menos assim que o partido trabalhista anuncia a coisa e vendo o anúncio de televisão (altamente high-tech e cafona) até é de acreditar. A «Big Conversation» (não se lembraram de nada melhor) tem um objectivo muito nobre: pedir aos cidadãos que se pronunciem sobre o Estado da Nação. Por mail, telefone, cartas anónimas, pombo correio, o que quiserem. O importante é que muita gente responda à infinidade de perguntas que o Labour inventou para preencher 77 páginas de um prospecto político. Para quê? Para nada. É a habitual manobra falhada a que recorre qualquer líder de um governo/partido/empresa/família quando sente que está a perder as rédeas do poder. A velha estratégia do «a falar é que a gente se entende». O problema é que o poder muito dificilmente se recupera, sobretudo porque quem o perde nunca gosta de assumir as razões que levaram a isso. É uma questão de natureza humana, suponho. Por isso acontece isto: inventam-se estratégias para convencer as pessoas que tudo vai mudar e que «a vossa opinião conta» (sic). É perverso.
EURO 2004. Enche páginas e páginas de todos os jornais ingleses de hoje. O sorteio de amanhã é o pretexto, como é óbivo. As equipas, os estádios, as cidades, o turismo... está tudo lá. Estamos a falar de bichos que, juntos, vendem mais de dois milhões de exemplares. E que dizem coisas como «reserve já, porque vai esgotar tudo. A partir de amanhã começa a corrida aos bilhetes.» Vai ser bonito, vai.

sexta-feira, novembro 28

Deven no Le Mauricien (Port Louis)

HOJE O CÉU ESTEVE AZUL. Não é uma metáfora nem o início de um post introspectivo. É um facto. Uma notícia.
O PERÚ aterrou em Bagdad em segredo e comeu junto às tropas norte-americanas. "Estava à procura de uma refeição quente", disse. Os soldados ficaram tão supreendidos que, em vez de o espancar, como têm prometido nos últimos meses, bateram palmas e riram nervosamente, deixando cair algumas lágrimas.

A viagem a Bagdad foi feita com preparativos dignos de um filme policial. Aos poucos jornalistas que acompanharam o presidente dos EUA foram confiscados telemóveis, pagers e outros instrumentos electrónicos para que não dessem com a lingua nos dentes. Mas o que é que eles pensam que os jornalistas são?

MANIFESTO. Estrangeirados de todo o mundo, uni-vos! A revolta é imensa e plenamente justificada. Alienaram-nos o único canal decente que podíamos ver à distância pelos nossos humildes computadores. Sem aviso, sem desculpas, a SIC Notícias desapareceu. Assim, PUFFF! De uma assentada. Foi-se a leitura da sentença da Moderna, foi-se o resumo do Porto, foi-se a Bárbara Guimarães, foi-se... outras pessoas, vai-se o Expresso da Meia Noite. Pior: o capital é tão insensível que no lugar do famigerado canal põe-nos uma coisa estranha chamada canal SMS!!! Isto é uma provocação, camaradas. Só pode ser. E aquelas burguesas histéricas que aparecem a gritar «já começou!» são um teste à nossa resistência. À nossa consciência de classe oprimida. Por isso vos digo: mails ao alto. Ataquemos a caixa de correio dos ricos e poderosos. O espectro do estrangeirismo ronda a Europa.
EU, BRUTUS. Há dias, num prazenteiro almoço com conterrâneos, um dos presentes contava as experiências da sua recente viagem de seis semanas pela Índia. Deformação profissional fez-me arrastar a conversa das paisagens para as perguntas mais práticas.
- Mas tu não trabalhas?
- Trabalho. Tirei quatro semanas de férias e as outras duas disse para eles não me pagarem. Nem chatearem...[risos]
- Áh. És freelancer...
- Não! [semi-irritação] Expliquei-lhes que queria ir viajar e pronto.
- Mmmm.. Agora que dizes isso... por acaso já ouvi umas histórias de uns tipos ingleses que vão passar seis meses fora e se põem a viajar pelo mundo. Assim, calmamente. Deixam tudo para trás e catrapumba. Mas as empresas não dizem a estes gajos pra ficarem na Etiópia, no Vietname ou no raio que o parta para onde eles quiserem ir fazer ioga?
- Não pá! [indignação] Se as empresas precisam deles só têm a ganhar com isso. Primeiro, porque o mantêm. O que neste mercado é sempre uma coisa difícil. Depois, porque sabem que esse tipo de experiências só podem valorizar um gajo.
- ... pois... claro.... Este molho está óptimo...

quinta-feira, novembro 27

VIAGENS. Proposta da semana: Turquia. Sem sombra de dúvida. É tão arriscado como estar no centro de qualquer capital europeia. É um país fabuloso. Com gente fantástica. Com hóteis de excelente qualidade que devem estar todos vazios e a fazer preços da chuva. Sem ponta de ironia: que melhor forma há de ajudar os turcos a ultrapassar este pesadelo e reduzir o terrorismo à sua mínima expressão?
LINKS. Inventámos a lista de «nomes próprios», como é óbvio, para ver se conseguíamos angariar mais visitas turísticas aqui à paróquia. Aliás, nem sei se inventámos, mas pelo menos nunca tínhamos visto. Agora cria-me um dilema. Queria aconselhar um blogue de autor anónimo mas não tenho sítio onde pôr o link. Teremos de arranjar uma solução, está visto, mas ainda não será agora. Para já, fica a referência ao imprescindível classe média.
PLANTU no Le Monde

AZNAR É impressionante a admiração que a direita francesa tem pelo primeiro-ministro espanhol. Hoje, o diário Le Figaro, que, como se sabe, encosta à direita, tem um editorial onde distingue na escolha de Valência para receber a Taça da América uma consequência e reconhecimento do dinamismo do país. "Après dix ans de croissance ininterrompue, l'Espagne nous donne une leçon d'économie." Logo a seguir vem a tacadinha: "Certes, elle a largement bénéficié des transferts de fonds européens (leia-se: dinheiro francês), mais cela ne suffit pas à expliquer sa performance." E conclui: "Mais ce pays n'est plus seulement une destination touristique, ni même un paradis nautique où il faudra conserver sur nos rives la Coupe de l'America. Sans écouter l'Espagne, l'Europe ne se fera pas." Teremos lido bem? A França disposta a escutar alguém sobre a Europa?

Nos últimos dois anos, José Maria Aznar esteve presente diversas vezes em comícios e conferências organizados pela direita. Aí nota-se o seu estatuto de estrela, quando o volume de aplausos aumenta significativamente antes e depois das suas intervenções. Mais ruidosos que as ovações a Durão Barroso, que arranha muito melhor a lingua francesa.

POLÍTICA E MEDIA (Ou como fazer um título piroso com leitura garantida). Alastair Campbell é tido por ser um dos melhores spin doctors que passaram por Downing Street. É também a única vítima conhecida das armas de destruição maciça do Iraque, já que se teve de demitir do governo de Blair quando começava a ficar claro, no inquérito Hutton, que foi um dos principais responsáveis pela brilhante ideia de apimentar o relatório dos serviços secretos com factos inspirados na Guerra das Estrelas. A verdade é que, mesmo assim, o senhor goza de uma reputação impressionante entre os jornalistas, ao ponto de alguns acharem que o primeiro-ministro, sem ele, está como um naco da melhor vaca num aquário de piranhas. Ontem, Campbell foi dar uma palestra à Foreign Press Association. E eu, que já estava a ficar contagiado por tanto deslumbramento, fiquei irremediavelmente desiludido. Então não é que o cavalheiro resolveu assumir aquela postura de virgem ofendida de que «os jornalistas tratam muito mal os políticos»; «arruinam o respeito das pessoas»; «fazem com que a política fique sem os melhores profissionais».... Não há paciência. Eu a contar com um Kissinger refinado e sai-me um Ramonet encapotado.

quarta-feira, novembro 26

CIVILIZAÇÃO. A rainha de Inglaterra foi hoje anunciar ao Parlamento as linhas gerais da política do governo para a próximo ano. Uma das quais, nem sequer a mais importante, prende-se com o alargamento de direitos para os casais homossexuais. A rainha de Inglaterra, repito, foi a porta-voz da medida. A oposição conservadora já tinha dito que concorda plenamente. E o Telegraph, bastião da imprensa de direita, fez ontem este editorial:

Gay couples should be equal under the law

The time has come to give homosexual couples some legal recognition.

It has frequently been lamented, with good reason, that the institution of marriage is in crisis as divorce rates soar to levels unimaginable a generation ago. There are many reasons for the current disinclination to marry and remain married. These include the continuing fall-out of the sexual revolution of the 1960s; our contemporary selfishness and lack of fidelity; the choice that many women make to delay marriage and children for the sake of their career; as well as government policy, which no longer offers real financial incentives to married couples.

Co-habiting heterosexual couples can choose to marry, and the question of restoring "pro-marriage" financial arrangements can be addressed by tinkering with tax and social security regulations. In the Queen's Speech tomorrow, the Government is expected to propose that homosexuals be allowed to become "registered civil partners" and assume some of the same rights, and responsibilities, as a married couple. The details of the proposed legislation remain vague, but the focus of the changes would be in the areas of inheritance and pensions, and the granting of the right for a civil partner to act as next-of-kin in times of illness.

There is no good reason why a homosexual man or woman, bereaved after decades of faithful union, should face the additional burden of selling a shared home to meet death duties when a partner dies. To state this truth is a simple matter of what is just and practical. It is perverse that existing law should actively discourage any two people in a lifelong relationship from enjoying legal and financial security. Michael Howard was wise to signal that Conservative MPs would have a free vote on the issue.

We understand the reservations several Church leaders have expressed about extending this civil union into some sort of pastiche gay marriage, which would be in breach of so much Judaeo-Christian teaching. But that is a religious issue. What is proposed is a civil matter. It is wrong to oppose a sensible and modest civil reform for fear of where it will ultimately lead. Allowing gay people to affirm their relationship within a civil contract does not undermine the institution of marriage. It might even reinforce it. We will all benefit from greater recognition of stable relationships, of whatever kind.
AMERICA'S CUP II Ganharam os espanhóis. Vá, levem lá a bicicleta.
AMERICA'S CUP A decisão em directo aqui. Pelo menos 15 mil desempregados e a ministra das Finanças vão estar a fazer figas.
PORTUGAL País com excelente localização entre a Europa e os EUA, a poucos km da Espanha. Fronteiras seculares e muitos monumentos históricos. Temos praias de norte a sul. Gente tranquila e acolhimento simpático. Óptimo espaço para festas de casamentos, baptizados, almoços e jantares de empresas, cocktails e festas de Natal. Excelentes condições para exposições mundiais, campeonatos de futebol e eventos náuticos. Estacionamento próprio. Facilidades de pagamento.
CARRILHOMANIA II. Prometi a mim mesmo que não faria provocações aqui. Como foi a mim mesmo, portanto, não vou trair ninguém. De resto, nem é preciso dizer muito, porque a causa deles fala por si. Confesso que ainda não consegui ler todos os textos, mas assim que recuperar o fôlego (fiquei na parte do chumbo) vou continuar a estudar atentamente. ÁH e.. já agora, também quero ser uma referência na esfera bloguística!

terça-feira, novembro 25

INTERNET Diz-me quem esteve cá que há quatro anos a França mal sabia o que eram as novas tecnologias. A ilustração poderia ser feita com as imagens de TV, que eu não vi, da cara de susto do Jacques Chirac na inauguração da ultra-moderna Biblioteca Nacional ao dizerem-lhe para pegar no rato. A contra-informação chamou-lhe "mulot", que em português é o arganaz, ou rato-dos-campos. Justiça seja feita, os franciús deram a volta e hoje não só a maioria das empresas e instituições têm sites bonitos como eficientes. Um exemplo é o do Parlamento onde, além de uma ligação directa ao canal de TV, temos acesso aos textos das discussões feitas em plenário e nas comissões parlamentares. Quando há novas propostas de lei, relatórios ou outras novidades são anunciadas na newsletter electrónica. Isto ainda não é democracia participativa, mas contribui para a transparência e credibilidade do sistema representativo.
BLAIR VS. CHIRAC A graxa faz parte da cultura londrina. Os parisienses são mais sobranceiros. Touché.
RAFFARIN CHANTE LA CROISSANCE POUR LA FAIRE TOMBER DU CIEL O Libération tem uns títulos fabulosos, à altura d'A Bola. Por mim, o artigo não precisava de texto. A síntese é uma ciência.
ELOGIO. Estou tão contente pela mini-avalanche de visitas nestes últimos dias [vaidade o caraças. Para escrever coisas que ninguém lê já me bastam outros feudos] e tão ciente que tudo se deve à excitação da novidade, que tenho de aproveitar a oportunidade para anunciar que este senhor pode ser nomeado meu porta-voz. Mesmo quando discordo dele. Deixem-me citar a melhor da semana: «Ainda aturei professores que eram museus intelectuais itinerantes, expondo incessantemente os três livros que leram na década de 60». Isto é que é poesia meus amigos!
TEASER. Esta noite prometo escrever um post interessante.
PORTUGAL NA CEE. Estava eu entretido a tentar distinguir as substâncias verdes de uma tarte congelada quando a palavra «Lisbon» me puxou os olhos para a televisão. No fim do noticiário do almoço, já em período de fait-divers, a ITV resolveu armar-se em Euronews e fazer uma espécie de sessão «No Comments» com as imagens da nossa capital. Mais concretamente, com um autocarro de pernas para o ar em plena baixa pombalina. «Estranho», comentou o jornalista. Mas só para ele. A única coisa de inédito na notícia é, talvez, o azar de um autocarro ter afocinhado numa das crateras da baixa. De resto, quem se lembrar das imagens dos túneis ali por baixo, daquelas fissuras quilométricas e do aspecto podre daquilo tudo, só poderá ficar espantado por a linha inteira da Carris ainda não ter ido parar à Galiza.

CORRECÇÃO TARDIA: Leitora atenta (amiga, portanto) alertou-me que, afinal, o dito acidente aconteceu em Campolide, não na baixa. É pena. Parece que perdi um argumento para dizer que as obras do metro no Terreiro do Paço são uma vergonha nacional. Enfim, fica para outra oportunidade.
CARTA ABERTA. Aos Exm.os Directores dos canais de televisão nacionais. Caros senhores: A emigralhada, como sabeis, é uma massa volumosa e dispersa, maioritariamente composta por falantes portugueses, com grande apego às desgraças que ficaram para trás. Uma vez que a maior parte tem acesso aos ordenados mínimos dos países civilizados, é de esperar que a bolsa seja suficientemente folgada para poder construir casas com telhados pretos e portões dourados durante as migrações de Agosto. À excepção desse mês, no entanto - já explorado pelos bancos com as famosas contas-travesseiro (põe cá tudo que a gente dá-te o mesmo daqui a 25 anos) -, proponho que sejam os senhores a lucrar o resto do ano. O esquema é simples: permitam que a porcaria dos noticiários e de alguns programas de maior audiência sejam vistos online e em directo. Depois, é só medir os acessos e passam a cobrar publicidade nesse serviço. Mais: como isso implica o fomento da utilização da banda larga aposto que deve haver pelo menos uns 400 subsídios europeus para empocharem. Acham pouco? Não imaginam a felicidade que davam aos estrangeirados.
RUGBY. Já não bastava o cricket, as transmissões em directo de snooker e demais bizarrias desportivas, agora, sempre que ligo a televisão, tenho de gramar com rugby em doses cavalares. E o rugby, como toda a gente sabe, é aquele desporto muito bonito, muito elegante e, sobretudo, muito educativo. Que dá gosto ver em momentos muito especiais. Tão especiais, de resto, que nunca tive a sorte de viver um. O facto é que, para grande infelicidade minha, a selecção cá dos quintos acabou de ganhar o campeonato mundial da coisa, na Austrália, e parece que os heróis estão prestes a aterrar com a repectiva taça. Os urros de contentamento, entretanto, já se ouvem por todas as esquinas onde haja um letreiro luminoso. Só de ver a festa começo a imaginar o que diria a um filho que tivesse intenção de seguir estas lides: «Mas porquê??? Com tantas coisas melhores para fazeres da vida, meu filho... Não gostas de droga, por exemplo?»

segunda-feira, novembro 24

FRÈRES COEN Há poucos valores seguros. O Clint Eastwood é um deles. O Woody Allen já pouco aquece. Ultimamente, o Zatoichi do Takeshi Kitano já me tinha desiludido. Agora foram os irmãos Joel e Ethan Coen. No cinema tento ser o máximo fundamentalista. Por uma questão de princípio, ontem recusei-me a ver o fim da saga Matrix (só vi o primeiro) e separei-me da Paula e do André. No meio das várias alternativas do multiplex MK2 da Biblioteca Nacional lá dei o benefício da dúvida a George Clooney e Catherine Zeta-Jones e escolhi Intolerable Cruelty. Em Lisboa teria certamente ido ver, por falta de escolha. Mas aqui não há desculpa. O filme é chato, previsível, completamente normal. Não vi a tal "ironia" sobre o amor que as críticas falavam. Espero que os bros. tenham sido bem pagos.
TABACARIA Em 2004, em França, um maço de tabaco vai custar cerca de cinco euros, mais 50 por cento do que há um ano. É evidente que isto é dinheiro em caixa para tapar o défice público. Porém, há aqui um encorajamento aos fumadores para deixar o vício, um objectivo meritório do governo francês aplaudido pelos especialistas e pela oposição. Toda? Não! Os oportunistas da extrema-direita do Le Pen estão a colar-se à polémica para ganhar eleitorado. É que os vendedores de tabaco não estão de acordo - manifestam-se hoje em Paris - com os sucessivos aumentos de preço e queixam-se da súbita descida das receitas. Muitos receiam ter de fechar e aqueles que estão junto às fronteiras desesperam porque os clientes vão comprar mais barato ali ao lado. E alertam para o aumento do contrabando. Uma sondagem publicada hoje mostra que a maioria dos franceses está ao lado destes profissionais. O cenário completa-se com as eleições regionais no horizonte e as vozes do próprio partido do governo (UMP) a temer as consequências desta medida, tendo em conta a importância do "líder de opinião" que é o senhor da tabacaria. Pronto, o governo lá anuncia o congelamento dos impostos para este sector durante quatro anos, promete subsídios para os mais afectados e reforça as medidas de segurança contra os assaltos aos depósitos de tabaco. Mas parece que não chega.
A propósito, alguém tem um cigarrinho para rematar o gozo de um observador não-fumador?

domingo, novembro 23

ESTRANGEIRADOS O Belo apanhou-nos bem. O sub-título do blogue é capcioso. Mas ele percebe que daqui, a mais de 1.500 km, a perspectiva é a de um astronauta a olhar para a Terra: Portugal é ainda mais pequenino. Paris está no centro da Europa e do Mundo. Todas as dimensões mudam e é impossível não ficar maravilhado com a Civilização. Mas até que ponto não estão aqui ampliados todos os defeitos do nosso rectângulozinho ajardinado, à beira mar plantado?
JOÃO FIADEIRO E VERA MANTEIRO no Teatro da Bastilha para apresentar dois solos antigos cada um. No mesmo dia, mas cada um apresenta o seu espectáculo. Já conhecia o Fiadeiro de outra passagem por aqui, mas foi a primeira vez que vi a Vera. Fiquei dividido. Gostei mais dele no primeiro dia e dela no segundo. Penso que os franceses também. De qualquer modo, foi um pouco de Civilização neste fim do mundo.
DOMINGO Hoje esteve realmente um dia bonito. Digno de um verdadeiro domingo. Como estava sol, o Jardin des Plantes, um grande e belíssimo jardim que fica mesmo ao lado de minha casa, encheu-se de famílias ansiosas por aproveitar estes momentos, antes que entremos no túnel de nuvens e chuva até meados de Março. Nestes dias - tal como nos jogos de futebol no antigo Estádio da Luz - a polícia fecha os olhos aos carros estacionados nos passeios. Confesso que me irrita menos em Paris.
AGRADECIMENTOS. Além do Barnabé, o Terras do Nunca também fez uma cortez referência à nossa página. Juntos, estes senhores são responsáveis por quase todas as visitas que nos fizeram nestes primeiros dias de vida (à excepção de alguém que veio directamente desta estranha morada. Quem será?). Finalmente, o André, da Ponte, também ele estrangeirado, enviou-nos uma encorajadora mensagem de felicitações. Isto quer dizer que na minha curta lista dos cinco blogs favoritos à esquerda, três já nos conhecem. For the record, fica só a faltar o amigo José Mário e o Ivan, que não conheço pessoalmente mas que gostei de reencontrar na Net, quanto mais não seja para recordar as horas que passei a discutir as palavras dele nas salas de aula. Espero, sinceramente, que os «cinco magníficos» que elegi à direita também passem por cá. A primeira pint pago eu.
CIVILIZAÇÃO. Num simpático post em que fez a nossa apresentação, o André Belo, do Barnabé, diz que tentará perceber se o sub-título que escolhemos, «Diários do mundo civilizado», é uma forma de ironia. A resposta não é fácil. Quando qualquer café cagado me pede 450 paus por uma bica miserável e 1500 por um maçito de Camel poderei dizer que estou num país civilizado? Obviamente que não. Quando o barman se recusa a servir-me outro whisky só porque já passou das três da manhã poderei dizer que vivo num clima de urbanidade? Também não me parece. Tirando estas excepções (e a sua própria enumeração, como é evidente) não há ponta de ironia nas palavras. Para mim, é de facto o mundo civilizado. Não só «diferente» dos outros, mas «melhor» que os outros.
RADAR KADHAFI Um tractor a 120 km/hora numa auto-estrada. Em França, os agricultores já não querem Land-Rovers. Ná. Preferem "kitar" as velhas máquinas de trabalho: põem-lhes uns aelerons, dois tubos de escape, uns faróis roxos e pintam umas chamas de lado. "There goes Ezy, Ezy Ryder/Ridin down the highway of desire" (Jimi Hendrix, "Ezy Ryder", álbum The Cry of Love, 1971).
Em termos de engenharia orçamental, os franceses não se ficam atrás de ninguém. Três semanas depois da instalação de 17 radares em locais estratégicos já lá cantam 40 mil infracções por excesso de velocidade. As reclamações contam-se por uma vintena de mãos. Ora somem-se pelo menos 90 euros por cada multa e pensem no jeitinho que isto dava à Manuela Ferreira Leite. Agora multiplique-se por mais mil radares previstos até 2005. Até dá voltas à cabeça.
Mas, apesar de tudo, estes tipos até têm (algum) sentido de humor: no dia da inauguração, os dois ministros da tutela, o do Interior e o dos Transportes, foram "controlados" por um jornal e apanhados acima do limite permitido. Vamos ver se lhes saiem as amêndoas.

sábado, novembro 22

PRAXES. Como todas as confrarias pretensamente intelectuais, apercebo-me agora (tarde, portanto) que a blogosfera também tem o seu rito iniciático. Chama-se HTML e quem nunca ouviu falar no assunto fica aqui vivamente aconselhado a permanecer nesse estado de saudável ignorância. Eu, que até achava que ia gostar desta brincadeira, trocava já o esforço por dois passeios nos labirintos da Regaleira ou por qualquer exame canónico. Mal or mal, sempre arranjava umas cunhas.

sexta-feira, novembro 21

REPARO. Dizem-me que há uma «ética bloguística» que obriga caloiros, como nós, a apresentar as prosas a alguns fellows bloggers. Se assim é, desculpem o atraso mas já estamos a tratar do assunto. Outra questão de ética, agora mais pessoal, tem que ver com o post anterior e o site do professor Carrilho. Não fiz a devida referência: descobri-o neste blog. Um dos melhores, se querem a minha opinião.
CARRILHOMANIA. Primeiro, a confissão: durante alguns anos admirei o trabalho académico do professor Carrilho. Calma, calma... eu sei que ele é tudo isso, mas deixem-me explicar! O homem era o único português que se dedicava, de uma forma séria, ao estudo dos autores pragmáticos americanos. E aqui, acredite quem quiser, está a chave da convergência entre a produtividade protestante e o espírito do sentimentalismo latino. Adiante. Só lhe conheci a cara quando o excelso professor se juntou ao primeiro governo de Guterres que, como se recordarão os mais novos, liderava o único partido português em 1995 (entretanto também já extinto). A partir daí foi o que se viu. A arrogância e a vaidade, em Carrilho, não são defeitos, são genes. Nem vale a pena insisitir no que toda a gente sabe, mas vale a pena ver isto. Foi-se a noção do ridículo! É Carrilho frente ao espelho perguntando se há mente mais brilhante que a dele. Com os «meus» melhores textos, as «minhas» melhores intervenções, o «meu» currículo genial e, tristeza das tristezas, as «minhas» melhores poses - eu a ler, eu com o lápis na boca, eu na biblioteca, eu com um ar compenetrado... eu, intelectual. Agora perguntam-me vocês: mas se tu emigraste, porque é que ainda te dás ao trabalho de ver estas merdas? Não sei...
SELVAGENS Afinal os franceses têm razão: o Le Parisen, jornal equivalente ao Correio da Manhã (mas aquele tira 355 316 exemplares por dia) revela que o árbitro inglês do França-Portugal em sub-21 disse antes do jogo que ia fazer tudo para eliminar os franceses. Resultado: três amarelos e um vermelho para o goleador Cissé. Claro, os jogadores portugueses, que não são estúpidos, foram-se ao ar! Conhecidos pelo seu fair-play, ficaram fulos quando souberam da marosca e desataram a partir os balneários só de pensar nos estragos que aquilo ia causar à sua reputação. Selvagens, sim, mas com bons motivos! No final, o seleccionador francês ficou extremamente irritado. Ele também não suporta injustiças.

quinta-feira, novembro 20

TELEJORNAL. Há dias, depois de tentar explicar a alma estrangeira o significado da palavra saudade (o típico desbloqueador de conversa do emigra), a dita alma perguntou-me se era isso que eu sentia do meu país. «Não». Porquê? Porque tinha acabado de ver o telejornal. E sempre que vejo o telejornal da terra perco toda a saudade do que quer que seja. Aconteceu hoje. Vejo um taxista lisboeta responder alarvemente à jornalista da RTP: «vêm chatear um gajo por causa de tirar dois euros??» Depois vejo o balneário por onde passou a nossa ilustre selecção sub-mentecaptos. E pronto... Não fossem os dirigentes da federação a divertir-me e, juro, nunca mais veria o telejornal.

quarta-feira, novembro 19

ETA E GUANTANAMO. Lembro-me de ouvir o primeiro-ministro espanhol, há muito tempo - não sei quando, mas numa entrevista que se seguiu a mais uma barbárie da ETA -, explicar porque não entrava em negociações com as facções radicais dos separatistas bascos: «Não é possível conversar com terroristas. Têm uma linguagem diferente. Não nos iam perceber a nós, nem nós a eles». Grande Aznar. Gostei do argumento. Quem acha que é justo matar e espalhar o terror para fazer vingar ideias próprias tem, de facto, uma gramática de vida que não se compadece com o nosso respeito. Lembrei-me disto quando li o editorial de hoje do Independent (infelizmente, o acesso online paga-se). Todinho dedicado a Guantanamo. Ou, como diz o jornal inglês, à razão porque não lhe podemos dar as boas-vindas, sr.Bush. Grande Independent. Enquanto houver uma prisão onde os presos não têm direito a advogado, não podem ver um familiar, não são acusados de nada, não têm sentença nem prazo de libertação, onde há suicídios e tentivas de suicí­dio a rodos, onde, como suspeitamos todos, há tortura... enquanto houver isto tudo, é impossível perceber a linguagem do «sr.presidente».
CAPITAL DO CINEMA Fechou na avenue des Gobelins, no 13ème arrondissement de Paris, um cinema de duas salas, cujo edifício, um antigo teatro, tem a especificidade de ter uma fachada da autoria de Auguste Rodin. Não ia ali frequentemente, mas desagradou-me perder uma alternativa a dez minutos a pé de casa. O som e a imagem eram decentes e alguns filmes ainda ainda resistiam na sua versão original legendada, o que é raro. Para compensar, a autarquia comprou o Louxor, com fachada egípcia, mas vai demorar alguns anos até iniciar a programação dedicada ao cinema do sul. Enfim, restam-me 375 salas no resto da cidade, mais a Cinemateca, o Fórum das Imagens, o Centro Pompidou...

terça-feira, novembro 18

SONDAGENS. O Guardian conseguiu provar hoje aquilo que parecia impossí­vel. Quando o país inteiro, senão o mundo inteiro, julgava que os ingleses estavam muito chateados com o seu primeiro-ministro e odiavam o presidente americano, uma sondagem do prestigiado jornal veio «provar» exactamente o contrário. Ou seja, que, afinal, a maior parte dos ingleses continua a apoiar a guerra, gosta muito de Blair e, se pudesse, até dava duas beijocas no presidente americano. Há um dado, no entanto, que faz com que esta sondagem me dê comichão: a pergunta. Depois de ouvir as televisões citarem o inquérito e dizerem que «mais de 60 por cento dos ingleses apoiam os Estados Unidos incondicionalmente» [Sky News] fiquei tão surpreendido que fui ler o jornal. Fiquei então a perceber que, para chegar a esta conclusão, o jornal deu duas hipóteses às cobaias: A) «De uma forma geral, os Estados Unidos são uma força do bem e não do mal no mundo»; ou B) «Os Estados Unidos são o Império do Mal no mundo». De surpreendente, a resposta passou a lógica.
MICKEY Faz 75 anos. No ano passado fez 74 anos. No próximo faz 76 anos. É um desenho animado. É um rato. Não tem filhos, tem uma namorada igual a ele, mas com saia e laço na cabeça. É uma história que se pode colar todos os anos nos jornais sem mudar uma vírgula. O Público dá-lhe a primeira página hoje. Infelizmente, no mundo civilizado também é notícia.

segunda-feira, novembro 17

TV GENERATION Uma das coisas das quais não tenho saudades. Quando vim, o tempo passado sentado no sofá estava já num plano muito inclinado. Estava farto. E no entanto adoro: encontro sempre algo com interesse ou suficientemente lúdico para me entreter durante longas horas. O problema é esse: fica uma sensação desagradável de inutilidade e aumentam os remorsos por ler cada vez menos. Quando aterrei em Paris descobri o maravilhoso mundo das salas de cinema "art et essai" e pensei que nunca mais precisaria de uma. Pensei com algum gozo que me ia transformar naquelas pessoas estranhas que não usam sequer para suporte de bibelots. Hélas. Voltei. Perco menos tempo - mas ainda assim precioso - a ver barbaridades. Com a agravante de os programas serem piores e as séries americanas serem dobradas. É mais forte do que eu.
CHUVA. Cai bestialmente. Fecha-nos dentro. Esconde a gente. Faz o frio mais frio. Torna os polícias que esperam a comissão de festas americana ainda mais agressivos. Molha tudo: as bandeiras, lá em cima; os pés, cá em baixo. Estraga a cidade e traz um vírus que me destrói o computador. Irrita-me. Aqui já é Inverno, companheiro.
FOLHAS Caíram. As que ainda restavam nas árvores do jardim do prédio onde moro foram-se completamente abaixo com a chuvada que caiu ontem durante todo o dia. Tenho pena, porque elas estavam tão amarelas que era um gosto vê-las douradas a meio da tarde, quando o sol consegue furar os telhados até ao cimo do castanheiro que domina o pátio entre os quatro prédios do "immeuble". Desta vez não tive aquela sensação de caminhar sobre caracóis porque estavam molhadas. Aqui já é Outono.

quinta-feira, novembro 13

CABALAS Na fila para os bilhetes da Ópera começo a desesperar com o gentleman postado à minha frente. A coisa até estava a correr bem quando o cavalheiro teve a distinta lata de atrasar o mundo inteiro pedindo para consultar a «política de privacidade» do teatro. Assim. Sem mais nem menos. A «política de privacidade»! Só para poder entregar os dados do cartão de crédito «em segurança», dizia ele. Em bom inglês, uma paneleirice. Mas o pior veio depois: enquanto eu esperava que a menina do guichet levantasse o trombil e fizesse aquele ar de enfado tipicamente luso (qualquer coisa entre a Dona Júlia do 1º bairro fiscal da Cruz Quebrada e a Dona Irene do posto de Correios da Almirante Reis), a infame senhora resolve alinhar na conspiração burocrática. Tudo para me lixar a vida, obviamente. E nisto, com um insuportável sorriso, aparece com uma folha A4 a dar todas as explicações ao ilustre senhor. Não contente, a personagem leu a folha atentamente, acenou que não com a cabeça, pediu o cartão de volta e pagou com dinheiro. Eu ainda estava confuso com aqueles salamaleques todos quando o tuga que me acompanhava fez luz sobre o assunto: «Tá visto, mais um traficante de droga é o que é». Há sempre uma cabala à  medida da nossa humilhação.
SILOS Ontem vi um programa educativo na TF1 sobre como é gasto o dinheiro dos contribuintes e mostraram alguns exemplos de desperdício de dinheiros públicos. Claro que esses são os mais interessantes - fazer as contas a quanto custa o fardamento dos bombeiros e polícias pode ser chocante mas é compreensível (até à parte em que, num acampamento de bombeiros, um desfile de fardas acaba em sessão de strip-tease à la Full Mounty). Bem, o brinde da noite foi um parque de estacionamento daqueles em altura: parece que ano longínquo de 1986, os autarcas de Montpellier resolveram arranjar um esquema em que transformavam uma parte do edifício em abrigo nuclear, com portas blindadas, filtros de ar, água, etc. Lembrem-se, foi no mesmo ano de Tchernobyl, andava tudo em alvoroço a procurar máscaras na mercearia e a encher a despensa em casa com enlatados de comida para o cão. Três milhões de euros e 17 anos depois, aquilo está cheio de rachas por causa da vibração dos carros, e afinal, para selar, é preciso tirar umas dezenas de carros estacionados. Operação para coisa de vinte minutos, ao fim dos quais só restam umas pessoas do tamanho de barbies. Resultado: um monumento aos visionários. Já estou a ver o Santana a ter ideias.